Ginaldo Viana de Souza é ator, diretor e produtor teatral. Estudou, ainda adolescente, na Fundação Brasileira de Teatro, criada por Dulcina de Moraes, onde teve aula com nomes como Zbigniew Ziembinski, Gianni Ratto e Adolfo Celi. No final da década de 1950, tem contato com o Teatro de Arena, que, então no Rio de Janeiro, se apresenta no anfiteatro da Faculdade Nacional de Arquitetura. Ao concluir o curso da Fundação Brasileira de Teatro, Ginaldo junta-se ao Teatro Jovem, grupo composto por estudantes de arquitetura influenciados pela experiência do Arena, que alugara uma casa para sua sede na Praia de Botafogo. Sua primeira peça com o conjunto foi a infantil O leão que ficou sozinho, de Hilton Araújo. Seguiram-se espetáculos como Onde vais Isabel?, de Maria Inez Barros de Almeida; A Moratória, de Jorge Andrade; e, de Francisco Pereira da Silva, Chapéu de Sebo, O Vaso Suspirado e Chão dos Penitentes. Em 1969, o Teatro Jovem encerra suas atividades em decorrência do AI-5. Posteriormente, Ginaldo trabalha em conjunto com Nelson Xavier e Cecil Thiré. No cinema, participou de filmes como É Simonal, A Queda, Marília e Marina, Engraçadinha depois dos 30 e Vai trabalhar, vagabundo. Além disso, dirige shows de música e espetáculos de rua. Desde a década de 1980, dirige grandes encenações da Paixão de Cristo, incialmente nos Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, e posteriormente em outras cidades. Em 2017, foi nomeado diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte.

Em 1967, como integrante do Teatro Jovem, Ginaldo de Souza foi produtor e interpretou o personagem Guilherme na montagem de Álbum de Família, de Nelson Rodrigues. O relato dessa experiência pode ser conferido na entrevista a seguir.

Do texto

Álbum de Família, a terceira peça escrita por Nelson Rodrigues, propõe um mergulho no inconsciente primitivo do homem ao tecer uma rede de paixões incestuosas que se manifesta no seio de uma família que vive em uma fazenda no interior de Minas Gerais.

Da montagem

Nelson Rodrigues escreveu Álbum de Família em 1945, após o sucesso de Vestido de Noiva. Mas, ao contrário da anterior, a peça não pôde subir ao palcos, pois fora interditada pela censura em todo o país no alvorecer do governo Eurico Gaspar Dutra. Argumentava-se que ela “preconizava o incesto” e “incitava ao crime”. A tragédia em três atos desmistificava a instituição familiar, desnudando as relações entre os membros de uma família regida pelo incesto, o grande tabu da humanidade. O texto, conhecido apenas pela leitura, já que seu livro foi publicado em 1946, seria alvo de enorme polêmica, produzindo uma violenta querela literária entre seus defensores e detratores, que discutiam tanto o conteúdo quanto a censura e a liberdade de criação artística em um momento pós Estado Novo. De fato, Álbum de Família era a primeira peça do que Nelson definiria, em 1949, como seu projeto de um “teatro desagradável”, que incluía, em suas palavras, “obras pestilentas, fétidas, capazes, por si sós, de produzir o tifo e a malária na plateia”. A partir de então, o dramaturgo encarnaria a figura do autor maldito e iconoclasta. É sobre todo esse histórico que, passados 22 anos, a peça é finalmente encenada pelo Teatro Jovem, no Rio de Janeiro, em 1967. O grupo se formou no começo daquela década com estudantes da Faculdade Nacional de Arquitetura, encabeçados por Kleber Santos, articulados a partir da ida do Teatro de Arena à cidade. Com um teatro alugado em um colégio localizado no bairro de Botafogo, o Teatro Jovem já tinha então em seu repertório peças de autores como Oduvaldo Vianna Filho, Eugène Ionesco, Jorge Andrade e Francisco Pereira da Silva, além de contar com um departamento de música. Em dezembro de 1965, o texto de Nelson Rodrigues foi liberado na esfera estadual pelo governador do Estado da Guanabara, Raphael de Almeida Magalhães, que via nisso uma homenagem ao dramaturgo. Álbum de Família estrearia em 28 de julho de 1967, após a reforma do espaço do Teatro Jovem, precedida em alguns dias do debate “Nelson Rodrigues à luz da psicanálise”, que contou com a participação de psicanalistas, sociólogo, críticos e professores. A direção, cenário e figurinos eram de Kleber Santos, e na montagem destacavam-se os slides de pinturas clássicas da Sagrada Família e as irônicas intervenções do locutor, cujo texto era interpretado em projeções por conhecidas figuras do rádio e da TV, como Chacrinha e Ibrahim Sued. Tanto nos jornais quanto no programa da peça e na revista do Teatro Jovem, impressa na ocasião, eram resgatadas as polêmicas desde 1946 e o clima de escândalo, proclamando-se que a peça mais forte e difícil de Nelson Rodrigues finalmente saía da gaveta após décadas de luta contra a censura. No dia 1º de outubro, porém, a temporada seria encerrada, o que era justificado por compromissos de filmagem do ator Luis Linhares.

⸺ Texto

Nelson Rodrigues

⸺ Direção

Kleber Santos

⸺ Produção

Ginaldo de Souza

⸺ Elenco

Jonas: Luiz Linhares
Senhorinha (mulher de Jonas): Vanda Lacerda
Tia Rute (irmã de Senhorinha): Virgínia Valli
Guilherme (filho do casal): Ginaldo de Souza
Edmundo (filho do casal): José Wilker
Glória (filha do casal): Adriana Prieto
Teresa: Célia Azevedo
Voz de Mulher: Thelma Reston (Participação especial)
Avô: Paulo Nolasco (Colaboração especial)
Heloísa (mulher de Edmundo): Thaís Moniz Portinho
Vozes Gravadas: Luiz Jatobá; Jorge da Silva (Majestade); Paulo Roberto; Ibrahim Sued; Chacrinha; Otto Lara Resende

⸺ Cenário e Figurinos

Kleber Santos

⸺ Execução do Cenário

Caetano Xavier | Leo Leoni

⸺ Assistente de Produção

Luiz Parreira | Ramayana Vargens

⸺ Fotos do Programa

Massaomi Mochizuki

Fragmentos Jornalísticos

- “Estreia hoje, no Teatro Jovem, uma das peças mais comentadas e discutidas de Nelson Rodrigues, pelos problemas morais que expõe: Álbum de Família, escrita em 1945 e proibida pela censura, desde então.” – (“Álbum de Família estreia com as opiniões divididas”. O Globo, Rio de Janeiro, 28 jul. 1967.)

- “Pois, para criar um verdadeiro clima de exacerbação, como é o de “Álbum de Família”, é necessário mergulhar de cabeça, pra valer, chafurdando em tudo aquilo que parece grotesco e absurdo, fétido, sórdido e de mau gosto.” – (GONÇALVES, Martim. “O Álbum ainda”. O Globo, Rio de Janeiro, 11 ago. 1967.)

- “Os cenários e os figurinos de Kleber Santos são muito bons. Ótima a concepção celular e uterina do palco. Muito boa também a sua transformação em capela. É um cenário despojado, frio, sinistro.” – (GONÇALVES, Martim. “O Álbum ainda”. O Globo, Rio de Janeiro, 11 ago. 1967.)

- “Eu comecei a pensar em “Álbum de Família” assistindo a um vaudeville. Até o meio do primeiro ato, eu ria como os outros. De repente, comecei a ficar sério. No segundo e terceiro atos, todo mundo ria, menos eu. Sim, o único sujeito grave, na plateia, o único sujeito fúnebre e, mais do que isso, ressentido era eu. Naquele momento, descobria eu que o teatro para rir, com esta destinação específica, é tão obsceno como uma missa cômica. Isso foi há 21 anos atrás. Saí do vaudeville pensando em “Álbum de Família”.” – (RODRIGUES, Nelson. “O aplauso frustra e a vaia dignifica”. O Globo, Rio de Janeiro, 26 ago. 1967.)

- “Pensei eu que, no dia da estreia, acontecesse o diabo com atropelos, correrias, tapas, o diabo. E aconteceu o seguinte: uma apoteose. Como me aplaudiram. Ora, sempre achei que só a vaia confere dignidade a uma estreia. (...). Vim para casa vagamente humilhado e vagamente ofendido.” – (RODRIGUES, Nelson. “O aplauso frustra e a vaia dignifica”. O Globo, Rio de Janeiro, 26 ago. 1967.)

- “Liberada pela censura, a peça Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, será montada no Teatro Jovem, em julho. Sobre a peça, diz Manuel Bandeira: “... suscita imediatamente e por meios simples e diretos os ambientes de fatalidade e tragédia”.” – Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 02 jul. 1967.)

- “O interesse de Álbum de Família reside menos nas qualidades e defeitos intrínsecos da peça do que na circunstância histórica de ter sido esta, mais do que qualquer outra, a obra que deu origem ao personagem Nelson Rodrigues”. – (MICHALSKI, Yan. “Um “Álbum de Família” pouco família”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 03 ago. 1967.)

- “Em “Álbum de Família”, Nelson Rodrigues estabelece um completo panorama de um grupo humano no qual a neurose fixou residência segura, oferecendo ao observador um incomensurável universo de neuroses.” – (“Teatro”. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 25 jul. 1967.)

- “Nelson Rodrigues preferiu ver a estreia da sua peça, “Álbum de Família”, ao seu time de futebol, o Fluminense. Diz o dramaturgo que “há 22 anos esperava por esta estreia”.” – Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 01 ago. 1967.)

- “- Escrevi esta peça como um anjo. Isto pode parecer apenas uma frase, aliás, subliterária, mas eu digo anjo no sentido de que realmente não fiz a menor concessão dos critérios, aos valores convencionais. Fui até às últimas consequências do assunto. Mergulhei no abismo. “Álbum de Família” é uma peça suicida, que da primeira à última linha desiste do aplauso crítico e tranquilamente admite a própria destruição. Tanto é que ela passou 21 anos encarcerada, enjaulada como uma cachorra hidrófoba – disse Nelson Rodrigues.” – (“Um anjo em “álbum de família””. O Jornal, Rio de Janeiro, 16 jul. 1967.)

- “Foi uma autêntica festa a estreia de “Álbum de Família” no Teatro Jovem. A casa esteve superlotada de um público entusiasta, que não poupou aplausos ao grande desempenho do elenco. Nas noites de sábado e de domingo, o Teatro Jovem voltou a receber um público que lotou suas dependências. É de se esperar um recorde de bilheteria já que essa peça de Nelson Rodrigues, há tanto tempo guardada por injunções da censura, hoje tem em seu favor além do natural interesse do público pela obra de Nelson Rodrigues, esse sabor específico de fruto proibido.” – (“Álbum de Família”. Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, 01 ago. 1967.)

- “É a peça mais sincera de Nelson Rodrigues, a única em que ele se despiu de toda e qualquer pretensão de contato com o mundo civilizado. É obsessão sexual da primeira à última cena.” – (FRANCIS, Paulo. “Álbum de Família”. Última Hora, Rio de Janeiro, 25 abr. 1962.)

- “Vinte e dois anos após ter sido “engavetada” pela censura, a mais rodriguiana de todas as peças do Nelson, Álbum de Família, será finalmente encenada. Estopim de polêmica que apaixonou a imprensa nos idos de 45, até hoje permanece uma incógnita.” – (BEATRIZ, Sônia. “A tragédia maldita”. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 05 ago. 1967.)

- “Estreia hoje, no Teatro Jovem, uma das peças mais comentadas e discutidas de Nelson Rodrigues, pelos problemas morais que expõe: Álbum de Família, escrita em 1945 e proibida pela censura, desde então.” – (“Álbum de Família estreia com as opiniões divididas”. O Globo, Rio de Janeiro, 28 jul. 1967.)

- “Pois, para criar um verdadeiro clima de exacerbação, como é o de “Álbum de Família”, é necessário mergulhar de cabeça, pra valer, chafurdando em tudo aquilo que parece grotesco e absurdo, fétido, sórdido e de mau gosto.” – (GONÇALVES, Martim. “O Álbum ainda”. O Globo, Rio de Janeiro, 11 ago. 1967.)

- “Os cenários e os figurinos de Kleber Santos são muito bons. Ótima a concepção celular e uterina do palco. Muito boa também a sua transformação em capela. É um cenário despojado, frio, sinistro.” – (GONÇALVES, Martim. “O Álbum ainda”. O Globo, Rio de Janeiro, 11 ago. 1967.)

- “Eu comecei a pensar em “Álbum de Família” assistindo a um vaudeville. Até o meio do primeiro ato, eu ria como os outros. De repente, comecei a ficar sério. No segundo e terceiro atos, todo mundo ria, menos eu. Sim, o único sujeito grave, na plateia, o único sujeito fúnebre e, mais do que isso, ressentido era eu. Naquele momento, descobria eu que o teatro para rir, com esta destinação específica, é tão obsceno como uma missa cômica. Isso foi há 21 anos atrás. Saí do vaudeville pensando em “Álbum de Família”.” – (RODRIGUES, Nelson. “O aplauso frustra e a vaia dignifica”. O Globo, Rio de Janeiro, 26 ago. 1967.)

- “Pensei eu que, no dia da estreia, acontecesse o diabo com atropelos, correrias, tapas, o diabo. E aconteceu o seguinte: uma apoteose. Como me aplaudiram. Ora, sempre achei que só a vaia confere dignidade a uma estreia. (...). Vim para casa vagamente humilhado e vagamente ofendido.” – (RODRIGUES, Nelson. “O aplauso frustra e a vaia dignifica”. O Globo, Rio de Janeiro, 26 ago. 1967.)

- “Liberada pela censura, a peça Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, será montada no Teatro Jovem, em julho. Sobre a peça, diz Manuel Bandeira: “... suscita imediatamente e por meios simples e diretos os ambientes de fatalidade e tragédia”.” – Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 02 jul. 1967.)

- “O interesse de Álbum de Família reside menos nas qualidades e defeitos intrínsecos da peça do que na circunstância histórica de ter sido esta, mais do que qualquer outra, a obra que deu origem ao personagem Nelson Rodrigues”. – (MICHALSKI, Yan. “Um “Álbum de Família” pouco família”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 03 ago. 1967.)

- “Em “Álbum de Família”, Nelson Rodrigues estabelece um completo panorama de um grupo humano no qual a neurose fixou residência segura, oferecendo ao observador um incomensurável universo de neuroses.” – (“Teatro”. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 25 jul. 1967.)

- “Nelson Rodrigues preferiu ver a estreia da sua peça, “Álbum de Família”, ao seu time de futebol, o Fluminense. Diz o dramaturgo que “há 22 anos esperava por esta estreia”.” – Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 01 ago. 1967.)

- “- Escrevi esta peça como um anjo. Isto pode parecer apenas uma frase, aliás, subliterária, mas eu digo anjo no sentido de que realmente não fiz a menor concessão dos critérios, aos valores convencionais. Fui até às últimas consequências do assunto. Mergulhei no abismo. “Álbum de Família” é uma peça suicida, que da primeira à última linha desiste do aplauso crítico e tranquilamente admite a própria destruição. Tanto é que ela passou 21 anos encarcerada, enjaulada como uma cachorra hidrófoba – disse Nelson Rodrigues.” – (“Um anjo em “álbum de família””. O Jornal, Rio de Janeiro, 16 jul. 1967.)

- “Foi uma autêntica festa a estreia de “Álbum de Família” no Teatro Jovem. A casa esteve superlotada de um público entusiasta, que não poupou aplausos ao grande desempenho do elenco. Nas noites de sábado e de domingo, o Teatro Jovem voltou a receber um público que lotou suas dependências. É de se esperar um recorde de bilheteria já que essa peça de Nelson Rodrigues, há tanto tempo guardada por injunções da censura, hoje tem em seu favor além do natural interesse do público pela obra de Nelson Rodrigues, esse sabor específico de fruto proibido.” – (“Álbum de Família”. Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, 01 ago. 1967.)

- “É a peça mais sincera de Nelson Rodrigues, a única em que ele se despiu de toda e qualquer pretensão de contato com o mundo civilizado. É obsessão sexual da primeira à última cena.” – (FRANCIS, Paulo. “Álbum de Família”. Última Hora, Rio de Janeiro, 25 abr. 1962.)

- “Vinte e dois anos após ter sido “engavetada” pela censura, a mais rodriguiana de todas as peças do Nelson, Álbum de Família, será finalmente encenada. Estopim de polêmica que apaixonou a imprensa nos idos de 45, até hoje permanece uma incógnita.” – (BEATRIZ, Sônia. “A tragédia maldita”. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 05 ago. 1967.)